O processo selecionado do mês de março para a seção "Documento do Mês", constitui-se em um tipo de requerimento, chamado de Licença para casamento, datado de 1883. Naquele momento, final do século XIX, esse tipo de processo normalmente ocorria quando alguém, usualmente um menor de idade (a maioridade, na época, era legalmente reconhecida aos 21 anos de idade), pretendia casar-se e não tendo, para isso, o consentimento dos pais – tutores e responsáveis legais pelos filhos, tal qual como continuam sendo hoje em dia –, recorria à Justiça para poder efetivar o matrimônio nos termos da lei.
Vale lembrar, como enfatiza o historiador Daniel Souza Barroso, na monografia de conclusão de curso intitulada "O casamento, em Belém, no início do século XX" – apresentada à Faculdade de História da Universidade Federal do Pará (UFPA) em 2009 –, que "o registro civil de casamento passou a vigorar no Brasil somente a partir de 1874 quando todos aqueles que se casassem no Império, sejam eles católicos ou não, deveriam ser registrados em Cartório, no máximo trinta dias após o casamento" (pág. 12). Daí, a necessidade de obter a licença para contrair núpcias.
Em relação ao documento por nós tratado, aparece o caso de um rapaz, de nome Felismino Augusto Ferreira de Mattos, que, aos 20 anos de idade, desejando casar-se com uma moça de nome Sebastiana da Silva Cruz, recorre ao Judiciário para efetivar o matrimônio, uma vez que o pai dele – João Antônio Ferreira de Mattos – insiste em não consentir a união.
É importante dizer que o processo não está completo, logo, não sabemos se, de fato, o casamento foi realizado. Contudo, no interior do mesmo é possível observar algumas questões interessantes. Ao longo da instrução processual, João Antônio Ferreira de Mattos, ouvido em depoimento, argumenta que, além de o filho ser muito jovem para assumir uma família, ele não possui condições financeiras para prover o lar.
Esse tipo de argumentação pode ser facilmente explicada pelo fato de, naquele momento, o sustento da família ser um papel socialmente atribuído ao homem. Sobre isso, nos diz Daniel Souza Barroso: "Dentro dessa unidade conjugal há papéis familiares de gênero associados ao marido e à esposa. Ele, na condição de provedor e mantenedor do Lar, tanto no sentido econômico, quanto moral. Ela, por sua vez, no papel de boa esposa, mãe e dona-de-casa. Obviamente, isso é somente uma idealização do casamento, existente dentro de uma multiplicidade de outras experiências" (pág. 13).
Ainda segundo Barroso, "poderíamos entender consentimento paterno como um mecanismo legal do qual os pais se apropriariam para influir diretamente na escolha do cônjuge do filho. Em contrapartida, seus filhos adotavam diversas estratégias para de alguma forma burlar um não consentimento" (pág. 22). Nesse sentido, o nosso personagem em questão, Felismino Augusto Ferreira de Mattos, também tenta, de alguma maneira, conseguir a almejada licença, mesmo sem a aprovação do pai. Para isso, por exemplo, afirma sim ter condições de sustentar o lar, através do ofício de ferreiro, o qual, segundo o pai, não passava de uma espécie de estágio, um aprendizado.
Infelizmente, não conseguimos saber se Felismino e Sebastiana conseguiram, de fato, se casar, pelo fato de o documento estar incompleto, mas a leitura do processo vale a pena, por todas as questões acima levantadas e, ainda, por outras que porventura possam, a partir dele, ser engendradas.
Pelos bolsistas Elck D. C. de Oliveira e Érick Jean
Bibliografia: BARROSO, Daniel Souza. "O casamento, em Belém, no início do século XX (Monografia de conclusão de curso). Belém: UFPA, 2009.
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